quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Possibilidade de agências de comunicação dentro da AR abre discussão sobre lobbying

O jornal Público publica, na sua edição de hoje, um artigo que revela um pedido feito por uma agência de comunicação ao presidente da Assembleia da República. Deixo-vos aqui toda a história.
A agência LPM Comunicação pediu ao presidente da Assembleia da República acreditação no Parlamento com o estatuto de agência de comunicação, para ter acesso aos trabalhos e contactar directamente os deputados. O pedido inédito pode configurar uma estreia do lobbying em Portugal. Questionando o pedido, o politólogo André Freire considera, em declarações ao PÚBLICO, que o "lobbying é legítimo, mas deve ser transparente" e acrescenta: "A situação descrita não me parece muito transparente". Freire lembra que "uma agência representa clientes, vende produtos, serviços, pessoas, ideias". E sustenta: "A agência pode até declarar os seus clientes, mas nós nunca sabemos se está a agir em nome de quem."
Outro nível de dúvidas prende-se com o objectivo: "As informações são todas disponibilizadas na AR a todas as entidades que as solicitem". E questiona: "Para quê então uma agência se as entidades não dão a cara directamente? "Paixão Martins, director da LPM, afirmou ao PÚBLICO que isto não pode ser confundido com lobbying, já que a recolha de informação é apenas uma parte da actividade mais genérica de tentar influenciar decisões.
Hoje há dois estatutos na Assembleia, explica, o dos cidadãos em geral, que é limitado e com espaços reservados, e o dos jornalistas, com mais liberdade de circulação e de abordagem dos deputados. Assim, o que a LPM quer, prossegue, é ter "um estatuto no Parlamento". Mas adverte que o seu pedido não pode ser confundido com lobbying: "Lobbying é procurar influenciar decisões parlamentares, o que estamos a pedir não é isso, é para circularmos e pedirmos informação". Paixão Martins advoga que "o Parlamento Europeu já garante este acesso".
Em defesa da sua solicitação, Paixão Martins defendeu, em conversa com o PÚBLICO, que considera normal que as agências tenham de fazer declaração de interesses, sejam "obrigadas a declarar as entidades que representam e quais as que procuram a informação". Mas afirma que "a comunicação social aborda o trabalho parlamentar numa linha de interesse público", pelo que "é geral e não específica". Mas há clientes da LPM que têm interesse em informação mais detalhada: "A nós, faz-nos falta os projectos de lei, as actas das reuniões, etc." E conclui: "Queremos institucionalizar uma relação que já existe, hoje podemos ligar aos grupos parlamentares e ir almoçar com os deputados."
Por sua vez, o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, declarou, através de uma resposta escrita fornecida pelo seu assessor de imprensa, que "a carta da LPM está a ser objecto de estudo". E acrescentou: "O presidente da AR deu instruções para que seja avaliada a existência de eventuais mecanismos similares ou equiparados em outros parlamentos, por forma a poder ser fundamentada uma decisão, suportada em acto próprio da AR, nomeadamente ao nível de resolução, com audição prévia da conferência de líderes, ou de medida legislativa."Na carta, de 19 de Janeiro, é visível a preocupação de Paixão Martins em não ser acusado de lobbying: "O nosso objectivo, senhor presidente da AR, não é de forma alguma a de nos substituirmos ao papel dos media parlamentares, nem o de interferir com o processo legislativo, o que seria manifestamente inapropriado e estranho ao teor dos serviços que prestamos. "E depois de pedir para os seus funcionários poderem circular na Assembleia com "acreditação profissional para acompanhar os trabalhos parlamentares", solicita que lhes seja concedido "o direito de se dirigirem" aos deputados, "no sentido de poderem obter uma informação mais fidedigna de todo o processo legislativo e procederem aos esclarecimentos necessários a uma cabal compreensão do mesmo".
Lobbies actuam de forma aberta nos Estados Unidos
Podem ser escritórios de advogados, agências de comunicação ou empresas formalmente constituídas para o efeito: em Washington, a actividade de lobbying não só é legal como está regulamentada e é vista como parte do normal jogo democrático. As regras são as da transparência e da impossibilidade de buscar influências através de prendas ou prestando favores aos membros do Congresso. Nos Estados Unidos é, por exemplo, interdito dar presentes cujo valor ultrapasse, por ano, os 100 dólares (80 euros) e há limites para o que um lobbyista pode gastar num almoço com congressistas. Sabe-se para quem trabalham as empresas que se dedicam a esta actividade.
De acordo com estas regras, os lobbyistas só podem actuar pela persuasão, procurando que os legisladores tomem em consideração os interesses ou os pontos de vista dos seus clientes. Por exemplo: quando o tema da independência de Timor-Leste estava no topo da agenda política, tanto Portugal como a Indonésia contrataram empresas em Washington para fazer valer os seus argumentos junto dos membros mais influentes do Congresso dos EUA. O mesmo é feito, sem escândalo, tanto pelas grandes empresas que, por exemplo, podem querer que uma lei sobre organismos geneticamente modificados favoreça os seus interesses, como pelos ambientalistas que se lhes opõem. Conforme os casos, os lobbyistas procuram ora encontrar-se com os legisladores ou membros dos seus gabinetes, ou organizam documentação de apoio que lhes fazem chegar, ou tratam de mostrar-lhes como o seu voto pode afectar o apoio de uma parte do seu eleitorado. Podem argumentar, mas é crime mover influências menos claras.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Aborto

Moderação. Foi assim que decorreu o debate em torno do referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). Os portugueses escolheram «sim». Terão sido os argumentos decisivos? Ou terá sido uma inevitabilidade dos tempos modernos?

Foi notória a estratégia dos defensores do «sim» neste referendo de 2007. Abandonaram os velhos slogans feministas e o discurso no direito da mulher de dispor do seu próprio corpo. Em 1998 Francisco Louçã, na altura membro do PSR, defendia o «direito à sexualidade». A frase «Na minha barriga mando eu» ficou também na memória de muitos portugueses.

A mudança da expressão «por decisão da mulher» pela «por opção da mulher» parece algo inocente e até casual mas é capaz de ter conquistado muitos homens a optar pelo «sim». Evita-se assim usar o antiquado argumento feminista de que é a mulher que tem de decidir porque o corpo lhe pertence.

Já os movimentos que se bateram em 1998 pelo «não» à IVG deixaram, no presente referendo, cair pedidos como o de verem na prisão as mulheres que praticam abortos. Ou até mesmo as comparações do aborto com o Holocausto foram eliminadas dos seus materiais de propaganda. No entanto, foi ainda possível assistir desta vez a folhetos com as lágrimas da Virgem Maria.

Em termos globais da campanha, a moderação nos argumentos foi o tom dos principais discursos. Segundo os politólogos, a moderação proporciona votos, enquanto que o exagero nos argumentos provoca revolta e saturação nas pessoas, que por sua vez se transforma em abstenção.

O «não» por exemplo adaptou as suas mensagens à realidade da actualidade portuguesa. Dado os tempos difíceis que todos atravessamos, foi repetida, vezes sem conta, a ideia de que os impostos dos portugueses serão aplicados no pagamento dos custos associados à IVG. As extensas listas de espera, o oportunismo das clínicas privadas ou até mesmo a baixa natalidade foram outros argumentos utilizados pelos seus responsáveis. O «sim» por sua vez concentrou-se em mostrar o recuo dos seus opositores na questão do perdão legal das mulheres que abortam.

Mas não só de argumentos se faz uma campanha, a imagem é essencial. Assim, foi evidente o enfoque em pessoas mais moderadas para darem a cara pelo «sim». Abdicou-se de figuras extremistas e conflituosas. Optou-se por médicos, artistas e cientistas. Já o «não», numa clara estratégia de chegar aos mais novos, foi comum ouvir-se temas de hip hop nos seus tempos de antena.

Avanços, recuos e mudanças de direcção são estratégias habituais em jogos desta natureza. Muitos dados são lançados para a opinião pública. Infelizmente nem todos são claros ou mesmo verdadeiros. Cabe a todos nós escutar, decifrar, analisar e escolher. Os portugueses desta vez optaram pelo «sim». Os seus defensores estão de parabéns!